A comunicação entre T/b: Negociação, Consentimento e After.Care


No estranho ano que passou, fomos obrigados a reformular a forma como fazíamos algumas coisas e eu não fiquei indiferente. A constante incerteza levou-me a reformular a forma como procedo nas minhas interações convosco. Embora todas as questões de higiene, de brinquedos por exemplo, já estivessem estipuladas nas minhas rotinas; A higiene dos locais que frequento passou a ter outro cuidado e a eventual restrição deles.

Foi o ano em que decidi dedicar mais a mim e em outros projetos que amo. E, por consequência, abrandar gigantemente nas redes sociais, na produção de conteúdo (que continuou a outro ritmo no OnlyFans), assim como brandar os contactos com novos submissos.

Agradeço a tod@s os que estiveram comigo no último ano.

Foi um ano de trabalho e muita aprendizagem. A minha expressão artística têm uma grande importância para mim, e parte dessa expressão é também no BDSM. Sou eu, a expressão da dinâmica do que é uma figura de autoridade – que nunca existiria sem que houvesse algo/alguém que se submeta.

Hoje venho partilhar o resultado do que compreendi ao longo dos últimos anos, com as interações sociais que presenciei e outras histórias que foram chegando até mim.

Nos últimos anos de contacto com submiss@s, escrav@s, transplayers, sissy boys/men interagi com todo o tipo de criaturas magnificas, fantasias das mais fairy-like às mais agressivas (e até sangrentas) ! E embora muitas destas experiências tenham sido maravilhosas, intensas e divertidas; Pude também observar que as dinâmicas falhadas de comunicação que usamos constantemente em sociedade, são transportadas para as Cenas de BDSM.

A incapacidade de exprimir exatamente o que queremos, quando queremos (ou no momento em que nos é dado espaço para que isso aconteça), a omissão de factos importantes por vergonha ou ego frágil (p.e. omitindo dificuldades médicas…), assumir gostos, limites, fantasias – ou esperar que o outro o faça… são exemplos dessas dinâmicas de comunicação falhadas que causam desentendimentos.

Juntamos o fator expectativa / preconceito (ideia formada antecipadamente e sem fundamento) à falha da comunicação, e acabamos com dois corpos no mesmo quarto mas em mundos diferentes.Estes desentendimentos são comuns, também fora de Cena. Ao longo destes anos, vi a falta de comunicação e consequente falha na definição de limites, por parte de submiss@s e Dominador@s, criar muita confusão, experiências que pisam riscos mal definidos, que se transformam em experiências desconfortáveis ou indigeríveis para uma ou ambas as partes envolvidas.

Mais do que nunca, reforço a necessidade de falar sobre a negociação, o consentimento e o aftercare. Confesso que inicialmente não pensei que fosse ser necessário falar sobre o tema em 2021. Esta é uma questão do engenho coletivo da sociedade, não só entre cordas e palmatórias.

O Consentimento e a importância que a negociação e o after-care têm para uma sessão.

Para haver consentimento entre duas partes que se preparam para representar dois polos de uma dinâmica, é necessário que cada parte tenha alguma ideia do que pretende e o que não pretende – Estabelecer Limites. As dinâmicas D/s têm o capacidade de alterar o estado de consciência, expandir o prazer e o ser. Para que isto possa acontecer, devemos ter noção dos nossos limites e do mundo em que queremos mergulhar.

Para a/o Dominador/a, torna-se difícil fazer um guia claro e definir o que pode e não pode acontecer. Assim como para o submisso, não tendo a certeza do que vai acontecer, também não consegue relaxar e facilitar a abertura e a total entrega aos seus desejos e vontades.

Aqui deixo um pequeno glossário, em ordem cronológica de acontecimentos.

A Negociação prévia da cena, da sessão, do encontro, é necessária. Felizmente é uma palavra cada vez mais comum no léxico comum no que toca a qualquer tipo de interação erótica ou sexual, entre duas partes. Embora algumas pessoas ainda se sintam turned off pela palavra negociação, ela é nada mais que um dialogo aberto (por escrito ou por telefone – sujeito às regras do Top) que acontece para se definirem limites – p.e. as práticas por onde não queremos enveredar, os limites sobre marcas deixadas no corpo, Safe-Words, etc.
Chamo-lhe a Grey Area ou o Safe-Space, onde a única regra é o respeito mútuo, e onde tudo é exposto, falado, debatido e decidido. Definem-se também as práticas que serão abordadas durante o tempo que for estipulado para a cena. Certas práticas não são conseguidas à primeira vez que são experienciadas. Seja por capacidades físicas, a habilidade de suportar as sensações / dor e continuar… Todas as práticas melhoram com a prática, e no Kink isso não é diferente.

O Consentimento refere-se à escolha, e à aceitação, de livre vontade – de um adulto sóbrio e consciente. Definidos os limites na fase de negociação, o Top poderá agora guiar a Cena, sem que os limites do bottom sejam ultrapassados.

*ps: Ao longo destes anos fui sendo exposta a algumas histórias de Tops que não têm qualquer consideração pelo bem-estar de quem se entrega. Esta também é uma base do consentimento. Se uma cena fica demasiado extrema demasiado rápido, ou um toque que estava a ser uma delicia e de um momento para o outro passa a repugnante.. O bottom tem o direito de parar uma cena a qualquer momento. E, se necessário, invocar o After-Care.

After-Care é um dos nomes que se dá ao período pós-cena, em que ambas as partes se expõem e atentam nas necessidades físicas, emocionais e psicológicas do outro. É natural acontecerem algumas contusões, umas pequenas outras menos, que devem de ser devidamente tratadas. Este momento também é um espaço de aterragem… Quando as emoções são demasiado fortes, ou em estados alterados de consciência, é necessário um tempo para que as emoções e as sensações acalmem, e dar espaço à mente de voltar ao seu centro e poder operar novamente.
Este é um tempo que ambas as partes podem escolher passá-lo sozinhos ou acompanhados, em conversa ou sem qualquer palavra, com toques de carinho ou nada de nada.

You get the idea.

Estes conceitos são novos para ti?
Já praticas consentimento nas tuas interações?

XOXO